Monday, July 16, 2007

nos anais tradicionais do martírio, diz-se que durante o tempo que se seguiu à entronização de diocleciano, quando o imperador sonhava com um poder tão ilimitado como o voo livre de um pássaro, um jovem capitão da guarda pretoriana foi preso e acusado de adorar e servir um deus proibido.

este jovem capitão tinha um corpo esbelto que não deixava de lembrar o do famoso escravo oriental amado pelo imperador adriano, e olhos de conspirador, impassíveis como as águas do mar.

era de uma deliciosa arrogância.

trazia sempre no capacete um lírio branco, que todas as manhãs lhe era oferecido pelas raparigas da cidade.

e, tombado graciosamente sobre a sua torrencial cabeleira viril, quando repousava o corpo após uma qualquer dura refrega, era como se este lírio se transformasse na delicada curva de um pescoço de cisne.

ninguém sabia onde nascera, nem onde vivia.

mas todos os que o viam sentiam que este jovem, que juntava um físico de escravo a um semblante de príncipe, estava apenas de passagem e não tardaria a desaparecer.

parecia-lhes que este endymion era um nómada conduzindo os seus rebanhos; e que fora ele o escolhido para encontrar pastagens ainda mais verdes do que as que se conheciam.

e havia ainda as raparigas, convencidas de que ele viera do mar.
porque no seu peito ouvia-se o rumorejar das vagas.
porque nas suas pupilas se prendia o misterioso e eterno horizonte que o mar imprime, como uma recordação, no fundo dos olhos de todos os que nascem nas suas margens e são obrigados a partir.
porque os seus suspiros eram abrasadores como os ventos do solstício de verão, perfumados pelo odor das algas arrojadas à praia.

este era sebastião, jovem capitão da guarda pretoriana.

mas tal beleza poderia ter outro destino que a morte?

(yukio mishima)

2 comments:

--- said...

se há algo que partilhamos é esse destino:
já o dizia a velhinha que me aturava aos seis anos e mudava as flores no altar de S. Sebastião, padroeiro de uma aldeia da beirã, tão sangrada quanto o seu santo.

Lis said...

Um deus proibido leva à sua santificação. É irónico, como a vida.